O RESPIRO DO TEMPO E O SUSPIRO DAS MÃOS Refletindo o tempo do fazer manual a partir do SLOWFASHION
SLOWFASHION
Quando Bhárbara me propôs escrever uma reflexão sobre o SLOWFASHION necessitei de uma breve pausa para perceber tudo ao nosso entorno, e em um instante muito pontual, me veio a vontade de acompanhar e registrar os processos do fazer manual. Com isso me sensibilizei para com o processo autoral da Jardin, em especial a memória das mãos em cada instante dos processos e métodos abraçados pela marca, e o ritmo do ateliê se tornou pano de fundo para dialogarmos com este artigo. Antes de iniciarmos nossa conversa, proponho que em um breve instante respiremos lentamente e do mesmo modo vamos inspirar, pois, em tempos tão movimentados, devemos desacelerar e encontrar um momento para respirar e inspirar com calma. Mesmo essa breve pratica em ritmos variados sempre presente e tão necessária no decorrer de nossas vidas requer um tempo mínimo para ser completamente funcional. Penso que o ato de respirar e inspirar é muito próximo do próprio ir e vir da linha na agulha adentrando no tecido, construindo uma peça de roupa. Igual ao entrar e sair da agulha registrando ponto por ponto com a linha em cada gesto que pede outro gesto, o material que se une e se transforma, as mãos que vibram com a costura.. Enfim, tudo funcionando e respeitando seu devido tempo, um tempo repleto de vida, gestativo para com a concepção do vestuário guiados pelo gesto da mão. Segundo Sennett em O ARTIFICE: “A mão é a janela que dá para a mente.”
1 A ciência moderna tem procurado justificar a observação. De todos os membros do corpo humano, é ela dotada da maior variedade de movimentos, que podem ser controlados como bem queremos. (SENNETT, 2019). O movimento das mãos em gestos orgânicos, aos poucos com as renovações tecnológicas, foi sendo substituído por uma mecanicidade. O homem passou a dialogar muito bem com a máquina, mas até onde as substituições de um gesto humano por um movimento mecânico pode chegar? Me lembro das antigas guildas (associações de artesãos) ao qual a manualidade era o meio tecnológico em constante desenvolvimento tendo o tecnológico o “tecno” como técnica e meio para o fazer: um gesto que traz um jeito certo, uma descoberta de material que se adequa melhor a certa técnica. Hoje esses respiros do “tecno” pairam em breves suspiros nos ateliês aos quais a mão é indispensável a todo instante, mesmo sobre o domínio de uma máquina motorizada a mão continua como a sabia condutora. Quando penso as relações de manufaturas me lembro do HOMO FABER citado por Villen Flusser, e as relações do estágio da fabricação ao qual a mão e as ferramentas passam a dialogar, tendo em vista que nossos membros táteis foram nossos primeiros instrumentos para o desenvolvimento do trabalho. Segundo Flusser em O MUNDO CODIFICADO: Se considerarmos então a história da humanidade como uma história da fabricação, e tudo o mais como meros comentários adicionais, torna-se possível distinguir a grosso modo, os seguintes períodos: o das mãos, o das ferramentas, o das máquinas e o dos aparelhos eletrônicos (Apparate). (FLUSSER,2010). Atualmente somos movimentados por inúmeras engrenagens em dispositivos tecnológicos, e estamos também envoltos em fios cibernéticos que, por todo instante, nos levam a acessar inúmeras informações através de um “click” em um computador ou com o “touch” de um smartphone, e tudo isso por um ritmo acelerado que tenta nos capturar. Estamos quase presos por uma teia tramada de certas sensações ligadas ao desejo por novidade e esses por sua vez nos forçam a hábitos de consumos inconscientes e inconsequentes. Isso é muito explorado em seus extremos por grandes conglomerados da indústria têxtil e da indústria da moda que, em um ritmo frenético quase sem respirar, nos sufocam com constantes produções e não nos permitem desenvolver uma boa vivência com o nosso vestir, ter nossas próprias memórias e contar junto a essas roupas estórias. Essa lógica perpetua um desconhecimento da própria matéria-prima em sua origem e das mãos que fazem nossas roupas. Segundo Sennett em O ARTIFICE: [...] Os consumidores se empolgam mais com a expectativa do que com a operação; obter a coisa mais recente é mais importante que fazer dela uso durável. Seja como for, essa facilidade de descartar as coisas nos dessensibiliza dos objetos que efetivamente temos em mãos. (SENNETT,2019). É necessário voltarmos cada vez mais a nos sensibilizar com os objetos especialmente com as roupas que usamos. Produções têxteis exorbitantes que desencadearam uma oferta excessiva e cada vez mais barata, de certo modo tiveram uma influência com o corte de nosso vínculo afetivo com o vestuário e a valorização do trabalho por trás da produção. Em contramão de massivas tendências, alguns produtores autorais buscam reatar e fortalecer os vínculos afetivos com o vestir, com a matéria-prima, com as mãos que fazem e também com o consumidor em seus corpos, mente e alma, pois é reconfortante, acolhedor e acalentador se vestir tendo o conhecimento de cada etapa da concepção de nossas roupas por uma transparência consciente. Temos como embasamento o conceito SLOWLIVING: Chegar mais em: http://reviewslowliving.com.br/slow-living/ Que nos traz a busca de viver cada instante com calma e equilíbrio com tudo e todos, desacelerar de modo saudável nossa rotina, perceber e praticar a equidade se tornando um guia para uma rede sustentável e consciente de pequenos produtores. Sendo a marca mineira Jardin a qual buscarei, através da sensibilidade do olhar e da vivência, transmitir um pouco de seus processos. Movimentada por ares contemporâneos e por um primor do feito-a-mão com a qualidade e sustentabilidade mantidos por uma força autoral que em suas chamadas “SÉRIES” que são pequenas coleções que se comunicam com todas as peças já lançadas em sutilezas da forma, cor, tecidos e movimentos, cria um laço de vida prolongado em suas roupas, permitindo suas clientes a todo instante revisitar peças que já se tornaram um clássico da marca. Quando penso em séries, logo me remeto ao mundo das artes plásticas nas coleções continuadas de alguns artistas, onde uma série é repleta de fruição conectando uma obra a outra. É necessário termos em mente que uma obra de arte fala de seu tempo e também pode transcender inúmeros outros momentos. Bhárbara Renault, a frente da marca Jardin, nos presenteia com obras vestíveis que, em um tempo de produção calmo como um suspiro, chegam até nós avivadas por cada instante de um rico processo ligado a arte sendo desenvolvido manualmente de modo local e consciente. Desde a escolha dos tecidos, as linhas e formas que se manifestam nos desenhos, o traçar das modelagens, o impecável corte, somados por uma atenta costura que criam um universo acolhedor, transmitindo o preciosismo de cada etapa que gesta cada peça. O design das roupas garante uma sensibilidade tátil que logo nos conta as memórias das mãos de quem as fez, pensando sempre no conforto dos corpos em sua transição de um lugar para outro e também buscando perceber a passagem das estações, mas nunca deixando em esquecimento o que foi feito para a atual estação. O espaço em si é um jardim a céu aberto que rodeia um acolhedor ambiente ao qual os processos administrativos e criativos se conectam com a produção. No ateliê, os alinhavos e a sonoridade das máquinas de costura junto às tesouras do corte levam a relembrar o quanto as mãos e seus gestos nos falam das relações humanas e o resultado de cada instante é registrado nas peças, roupas, obras vestíveis, séries da Jardin. Costurando as percepções de cada linha escrita neste artigo, concluo que mesmo em tempos de velocidades sufocantes existem aqueles que assim como a JARDIN conseguem respirar com calma inspirando sustentabilidade em seus processos ligados a uma moda responsável, resultando em roupas autorais de uma produção manual, local e cada vez mais humanizada que em um suspiro resultam em peças que perduram o passar do tempo através das estações nos acompanhando a cada instante rumo a uma vida de consumo cada vez mais consciente. Consumo consciente, moda responsável, produção manual,